O Livro: suporte de poder, empoderamento e medo
- Jussara Prates
- 23 de abr.
- 4 min de leitura
Jussara Prates

É impressionante como boas provocações podem nos levar para diferentes direções. Um livro, uma conversa, um filme, uma carta, uma fotografia, uma obra de arte... elementos que podem abrir caminhos sinuosos, diferentes, interessantes e ainda pouco percorridos. Estimulam pesquisas e direcionam novas abordagens, nos tirando da sombra da engessada armadura da “grande história” mundial.
Em diferentes períodos da história ocorreram fatos que ganharam maior notoriedade, por estarem relacionados a grandes e poderosos personagens, quase sempre líderes políticos, religiosos ou porque provocaram impactos (positivos ou negativos) que marcaram uma geração ou época.
Neste contexto, é claro que os períodos das grandes guerras marcaram e marcarão para sempre a humanidade.
Fazendo um recorte no contexto da Segunda Guerra e saindo das linhas da “história oficial”, encontra-se um período de alta complexidade ainda pouco pesquisado e explorado. As mudanças tecnológicas, de comunicação, na cultura alimentar, o desmantelamento de redes de relacionamentos entre comunidades, o medo, as fugas, a educação, a cultura e a produção de produtos culturais, a indústria nas suas diversas formas de existência e rede de produção, a violência e tantos outros aspectos que permeavam o cotidiano naquele período. Já se perguntou:
- Afinal, como foi estar e viver naquele contexto?
- Depende. Poderia ouvir como resposta. Depende de quem eras, se homem, mulher, criança, jovem, idoso ou idosa, etnia e em que território vivia, de que comunidade fazia parte.
Todo processo histórico é vivido e posteriormente estudado sob diversas e diferentes perspectivas e o contexto da Segunda Guerra foi além da complexidade. E, não se pode perder de vista o aspecto trágico e as profundas marcas que a Segunda Guerra deixou na humanidade. Conforme o historiador Éric Hobsbawn, (1995, p.58), “A catástrofe humana desencadeada pela Segunda Guerra Mundial é quase certamente a maior na história humana. O aspecto não menos importante dessa catástrofe é que a humanidade aprendeu a viver num mundo em que a matança, a tortura e o exílio em massa se tornaram experiências do dia a dia que não mais notamos.”
Nos diferentes contextos de tragédia e fragilidades sociais encontramos a discreta presença da arte, seja com forma de manter a ligação com a cultura, identidade e fortalecimento, seja como mecanismo de submissão, dominação e estratégia política. Neste sentido, lembremos da apoteótica e emblemática queima de livros ocorrida em 10 de maio de 1933, estudantes universitários, sob a influência da propaganda nazista liderada por Joseph Goebbels, reuniram-se na Bebelplatz para queimar publicamente os livros de autores considerados “não alemães” ou contrários à ideologia nazista, quando foram queimados principalmente as obras de grandes pensadores que marcaram e delinearam o pensamento ocidental.
Essa queima de livros foi parte de uma campanha mais ampla de censura e controle cultural que visava erradicar todas as formas de pensamento consideradas subversivas ou incompatíveis com os ideais nazistas. Stefan Zweig, Thomas Mann, Sigmund Freud, Erich Kästner, Erich Maria Remarque e Ricarda Huch foram algumas das proeminências literárias perseguidas na época.
Ora. Mas afinal, num contexto de guerra, catástrofe e de fragilidades que importância tem os livros e a leitura para uma nação? Que função teve a literatura no contexto da segunda Guerra?
Partindo dessas e outras provocações, e discussões sobre as diferentes “leituras” possíveis, uma historiadora e uma psicanalista, unidas pelo ofício da escrita, se debruçaram, pesquisaram e teceram uma instigante oficina partindo do contexto da segunda Guerra e relacionando com as diversas tragédias humanas dos últimos tempos, guerras, pandemia, enchentes... Foi assim que nasceu o projeto Escavação das Palavras: A literatura na História e na psique dos sobreviventes das tragédias humanas. Uma abordagem instigante, elaborada a partir de diferentes perspectivas com o intuito de promover um intenso e interessante debate, compreender a história e o impacto da literatura na sociedade.
Saiba mais:
Design em tempos de escassez: O impacto da segunda guerra mundial sobre os produtos do cotidiano Giselle Hissa Safar1 Marcelina das Graças de Almeida2
Jeferson Balbino. Um Novo Olhar sobre a Segunda Guerra.
https://dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1483/1/PDF%20-%20%C3%89rica%20Santos%20de%20Lima.pdf
Livro, leitor e leitura: agentes de transformação social
* Jussara Prates é escritora, pesquisadora e produtora cultural, transita em diversas áreas da cultura com obras publicadas sobre educação, projetos escolares, educação antirracista, história, história de municípios, literatura, diversidade e educação para o patrimônio. Ativista pela democratização e acesso a cultura é defensora da educação para o patrimônio como forma de valorização e apropriação do patrimônio cultural como elementos geradores de cidadania e identidades. Foi membra do Colegiado Setorial de Memória e Patrimônio do Rio Grande do Sul, trabalhou na área da Gestão da Cultura, foi uma das idealizadoras e Diretora do Museu e Arquivo Municipal de Portão. Coordenadora dos processos de tombamento do primeiro Patrimônio Natural, o Pinheiro Multissecular e do primeiro Registro de Patrimônio Imaterial, o Festival Internacional de Folclore e uma das Curadoras do Memorial Histórico do Parque do Imigrante, todos em Nova Petrópolis/RS. Foi Diretora de Cultura e Secretária Adjunta de Educação, Cultura e Desporto de Nova Petrópolis. É Conselheira de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul, participou como conselheira da 6ª Conferência Estadual de Cultura e representou o CEC/RS na 4ª Conferência Nacional de Cultura em Brasília, atuando ativamente na construção da Política Nacional de Cultura. Atualmente exerce a função de secretária da Diretiva do Conselho Estadual de Cultura/RS.
**Historiadora, Bióloga, Conservadora e Restauradora de Acervos, Pós -graduada em Gestão de Arquivos; Supervisão Educacional; Coordenação Pedagógica; Ecologia e Desenvolvimento Sustentável; Botânica; Zoologia e Diversidade, Cultura e Etnicidade
Comentarios