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Homo Narrativus

Atualizado: 26 de mar.


Somos mesmo Homo sapiens, como os cientistas definem a espécie humana? Essa definição abrange a capacidade única dos humanos de raciocinar, pensar criticamente e desenvolver tecnologias avançadas. Quando falo em tecnologia, penso imediatamente no fogo, na roda e até nas pedras que foram transformadas em ferramentas úteis ao trabalho cotidiano. A rapidez do nosso século nos faz esquecer um pouco desses primórdios, e, quando falamos em tecnologia, o que vem à mente é a nova geração de smartphones, o desenvolvimento surpreendente da IA (Inteligência Artificial) e, quem sabe, as soluções para motores a combustão.


Nós sofisticamos nosso pensamento significativamente à medida que desenvolvemos nossos aspectos cognitivos, industriais e sociais. As sociedades evoluíram e, com elas, nossas formas de expressão e posicionamento no mundo. A forma como interpretamos tudo que acontece ao nosso redor passa pelos nossos sentidos, e essas interpretações são transmitidas através da oralidade.

Contamos histórias e, o principal, ouvimos elas desde que nascemos. Podemos pensar que isso se deu através da evolução do nosso pensamento: quando saímos da pré-história, um tempo antes dessa capacidade de contar sobre algo a alguém, chegamos à história, que é essa capacidade de fabular e transmitir conhecimento para quem chega.


Olha só o poder que contar uma história tem! Lacan, em seu livro Complexos Familiares, aborda justamente como o novo membro é apresentado e inserido na família. Ele precisa aprender a língua materna, as leis daquele grupo de pessoas, seus costumes e hábitos, que são o que fazem eles ser quem são. É isso que faz a pessoa pertencer. E como isso acontece? Pelas inúmeras histórias contadas e repetidas, através dos ensinamentos, dos contos na hora de dormir, ou seja, no conjunto de tudo que é narrado ali. Dessa forma, nos tornamos quem somos e a quem pertencemos, pelas narrativas das famílias, e cada vez mais nos tornamos Homo narrativus.


O ditado popular “quem conta um conto, aumenta um ponto” não é em vão. Junto com a oralidade e após a escrita, cada vez que uma história passa por um homo narrativus diferente, que pode ser uma questão geográfica ou temporal – vários fatores podem influenciar, ela ganha novos detalhes, novas interpretações e remodelagem da linguagem para atender as expectativas de quem conta a história e de quem a está escutando.


Ou seja, a grande tecnologia do homo narrativus é a linguagem e suas manifestações. Compreender o poder de contar uma boa história e de encantar quem a escuta ou lê, dominar as tecnologias que a compõe serão a marca no tempo dessa espécie, tão singular.


Helena Klein é hoteleira, psicanalista clínica, professora de inglês e agente cultural. Foi Diretora do Núcleo de Arquivo Histórico e Biblioteca de Nova Petrópolis/RS. É membro do Coletivo de Escritores de Nova Petrópolis e conselheira no Conselho Municipal de Políticas Públicas Culturais, no eixo Livro, Literatura e Biblioteca. Atualmente, é Secretária do Colegiado do Estado Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca. Acadêmica do 8º semestre de Licenciatura em Letras – Português, é integrante do diretório acadêmico de Letras Mario Quintana da UCS como Diretora de Cultura EAD e é caloura na graduação de Escrita Criativa/UNIASSELVI.

É autora de romances, contos e crônicas, participou de oficinas literárias e publicou obras coletivas como Contos Contemporâneos. Incentivada por Alcy Cheuiche, publicou A Caixa de Brinquedos - Die Spielzeugekiste, A Caixa de Brinquedos – o ano da pandemia e Efeitos do Amor. Lançou na Bienal Internacional do Livro de SP/2024 o livro Short Stories for Fearless Kids. Além disso, tem várias crônicas e contos em diversas antologias nacionais e internacionais; e e-books como Insanis, Hver Torsdag er Magi e A Casa. Desde 2024, ministra a oficina La Petite Fabrique de Littérature. Faz parte da startup Sinapse Cultural, que tem como premissa a economia criativa e o incentivo e apoio aos produtores culturais: www.sinapsecultural.com.br.



Referência:

HARARI, Yuval Noah. Sapiens: Uma Breve História da Humanidade. São Paulo: L&PM, 2015. 

LACAN, Jacques. Os Complexos Familiares. São Paulo: Jorge Zahar, 2005.


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