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Foto do escritorJussara Prates dos Santos Girardi

A Educação Patrimonial no contexto das Aprendizagens Essenciais da BNCC

Bem-vindo (a)!


O blog SINAPSE CULTURAL é um espaço de compartilhamento de ideias, opiniões e conhecimentos sobre Educação, Arte, Cultura, Informação, Política e Saúde, nas suas complexas formas de manifestações.



Por:

*Jussara Prates dos Santos Girardi



“É necessário aprender com a cidade e o primeiro livro de leitura é o mundo”

Paulo Freire



No ano de 2020, entrou em vigor a Base Comum Curricular (BNCC), documento embasado em inúmeras outras Leis, Instruções Normativas, Planos e Diretrizes desencadeadas desde a constituição de 1988. Discutida desde 2015 foi debatida ao longo de diversos governos e gestões, recebendo milhares de contribuições em consultas e audiências públicas.


A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE).


Este documento normativo aplica-se exclusivamente à educação escolar, tal como a define o § 1º do Artigo 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996), e está orientado pelos princípios éticos, políticos e estéticos que visam à formação humana integral e à construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva, como fundamentado nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCN). (BNCC).


https://educacaoinfantil.aix.com.br/campos-de-experiencia-da-bncc-como-organizar-o-curriculo/


A Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 205, reconhece a educação como direito fundamental compartilhado entre Estado, família e sociedade ao determinar que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988). No Artigo 210, reconhece a necessidade de que sejam “fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais” (BRASIL, 1988).

https://noticias.band.uol.com.br/noticias/100000541159/ulysses-veja-as-palavras-usadas-em-discurso-.html


A LDB, no Inciso IV de seu Artigo 9º, afirma que cabe à União estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum (BRASIL, 1996).


Nesse artigo, a LDB deixa claros dois conceitos decisivos para todo o desenvolvimento da questão curricular no Brasil. O primeiro, já antecipado pela Constituição, estabelece a relação entre o que é básico-comum e o que é diverso em matéria curricular: as competências e diretrizes são comuns, os currículos são diversos. O segundo se refere ao foco do currículo. Ao dizer que os conteúdos curriculares estão a serviço do desenvolvimento de competências, a LDB orienta a definição das aprendizagens essenciais, e não apenas dos conteúdos mínimos a ser ensinados. Essas são duas noções fundantes da BNCC.


A relação entre o que é básico-comum e o que é diverso é retomada no Artigo 26 da LDB, que determina que os currículos devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos.


https://escolaeducacao.com.br/lei-de-diretrizes-e-bases-da-educacao-nacional-ldb-atualizada-em-2019/


Essa orientação leva ao desenvolvimento curricular contextualizado pela realidade local, social e individual da escola e de sua comunidade escolar. Neste sentido, se reforça a ênfase às questões locais e regionais, como elementos essenciais. Esse processo consolida a educação democrática, pois valoriza o universo do aluno como parte integrante do conhecimento e da educação.

http://www.usp.br/aun/antigo/exibir?id=7174


É neste contexto, que se insere a educação patrimonial, nas suas múltiplas formas e possibilidades de atender as demandas e necessidades para as “aprendizagens essenciais”, no que concerne a parcela de conhecimentos locais e regionais normatizados.


De forma simples e objetiva, pode-se dizer que trabalhar o conceito de patrimônio é reconhecer, dentre outras coisas, que para avançar no entendimento não precisamos ir longe. Ao contrário, o que precisamos pode estar bem pertinho de nós, bastando apenas que dediquemos um olhar sensível ao nosso redor e ao que de fato atribuímos valor e, do mesmo modo, o que nos valoriza e dá sentido à nossa vida. É um olhar para dentro: primeiro para dentro de nós, depois para dentro de casa, do jardim, do quintal, do bairro, da cidade, e, finalmente, da região e do país. (IPHAN, 2013)


https://cfaesintra.wordpress.com/2018/09/13/accao-de-formacao-educacao-para-a-cidadania-do-enquadramento-as-praticas/


A implementação da BNCC traz mudanças significativas e aparecem nas seguintes políticas educacionais: elaboração dos currículos locais, formação inicial e continuada dos professores, material didático, avaliação e apoio pedagógico aos alunos.


Apresenta-se aí uma possibilidade valiosa para que os municípios se voltem à valorização dos recursos patrimoniais, direcionando recursos e investindo em pesquisa, políticas públicas de proteção às instituições e ao patrimônio material e imaterial, consolidando o processo educativo e o capital patrimonial e multidisciplinar. Deve-se pensar as questões locais de forma integral e conjugar às medidas de proteção dos elementos culturais o fomento não apenas à educação, mas também a economia local e regional, através de projetos de desenvolvimento turístico e culturais. É preciso entender que, sem a devida valorização do patrimônio, não há sobre o que ensinar...


Oficina de conservação de acervos - Museus do Trem /SL, 2009


Para o Iphan a educação patrimonial são os processos educativos formais e não-formais que têm como foco o patrimônio cultural apropriado socialmente como recurso para a compreensão sócio histórica das referências culturais em todas as suas manifestações, com o objetivo de colaborar para o seu reconhecimento, valorização e preservação.


Considera ainda que: os processos educativos devem primar pela construção coletiva e democrática do conhecimento, por meio do diálogo permanente entre os agentes culturais e sociais e pela participação efetiva das comunidades detentoras das referências culturais onde convivem diversas noções de patrimônio cultural.” (IPHAN-MAIS EDUCAÇÃO).

https://educacaopatrimonial.wordpress.com/2012/03/20/mec-e-iphan-disponibilizam-publicacao-que-promove-a-educacao-patrimonial-nas-escolas-brasileiras/


A Base Nacional Comum Curricular apresenta possibilidades para uma abordagem do tema dentro dos conteúdos e habilidades das disciplinas de arte, história, geografia e ciências. No entanto, esses aspectos não estão claramente articulados ao conceito de patrimônio cultural. Nas disciplinas de artes e história percebe-se uma abertura maior ao fazer uma referência da área do conhecimento ao patrimônio histórico e cultural da humanidade. (ANDRADE & LAMAS, 2017).


Com relação aos temas transversais há uma série de temas que são emergentes à vida humana, incorporados aos conteúdos disciplinares como, direitos das crianças e adolescentes (Lei nº 8.069/199012), educação para o trânsito (Lei nº 9.503/199713), preservação do meio ambiente (Lei nº 9.795/199914), educação alimentar e nutricional (Lei nº 11.947/200915) entre outros.


A educação patrimonial poderia entrar na proposta curricular através de diferentes áreas de estudos pelo viés do patrimônio cultural material e imaterial e poderia provocar uma interdisciplinaridade capaz de unir conteúdos e conceitos que se articulam entre si, e proporcionar uma função social mais coesa do conhecimento.



https://ptnosenado.org.br/texto-amplia-participacao-popular-em-conselho-de-comunicacao/


Essa flexibilidade permite estimular um novo olhar para a escola e o território no qual ela está inserida a partir da ideia de torná-los espaços educativos. Os patrimônios culturais que estão na escola e no seu entorno certamente podem ajudar nessa transformação.


Espaço educativo é... Todo espaço que possibilite e estimule, positivamente, o desenvolvimento e as experiências do viver, do conviver, do pensar e do agir consequente [...]. Portanto, qualquer espaço pode se tornar um espaço educativo, desde que um grupo de pessoas dele se aproprie, dando-lhe este caráter positivo, tirando-lhe o caráter negativo da passividade e transformando-o num instrumento ativo e dinâmico da ação de seus participantes, mesmo que seja para usá-lo como exemplo crítico de uma realidade que deveria ser outra. [...] O arranjo destes espaços não deve se limitar a especialistas, mas sim, deve ser prática cotidiana de toda a comunidade escolar. (IPHAN)


Educação Patrimonial - Portão/RS 2012


Observa-se, entretanto que a escola é um espaço coletivo capaz de integrar e influenciar socialmente toda uma comunidade, em contrapartida, é um local de rotatividade de pessoas, tanto em relação aos alunos, quanto de professores e ou corpo administrativo, o que pode ser um ponto negativo em relação à salvaguardar a história e a memória da comunidade escolar se não houver um trabalho de educação patrimonial que discuta e promova o registro e a preservação de suas memórias. (SILVA, 2018).



Livro infantil - literatura histórica

sobre Portão

Livro elaborado para alunos- 2013


O trabalho da Educação Patrimonial busca levar as crianças e adultos a um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua herança cultural, capacitando-os para um melhor usufruto destes bens, e propiciando a geração e a produção de novos conhecimentos, num processo contínuo de criação cultural. O conhecimento crítico e a apropriação consciente pelas comunidades do seu Patrimônio são fatores indispensáveis no processo de preservação sustentável desses bens, assim como no fortalecimento dos sentimentos de identidade e cidadania (HORTA; GRUNBERG; MONTEIRO, 1999, p. 4).


Feira do Livro de Porto Alegre

Importante frisar que as definições de Patrimônio histórico cultural não se encontram fechadas e determinadas. Pelo contrário, o patrimônio deve ser visto como um processo que vem abarcando mais características e alongando-se ao longo dos anos. O conceito de patrimônio é socialmente construído.


Patrimônio Cultural não são somente aqueles bens que se herdam dos nossos antepassados. São também os que se produzem no presente como expressão de cada geração, nosso “Patrimônio Vivo”: artesanatos, utilização de plantas como alimentos e remédios, formas de trabalhar, plantar, cultivar e colher, pescar, construir moradias, meios de transporte, culinária, folguedos, expressões artísticas e religiosas, jogos e etc. (GRUMBERG, 2007, p.04).



Para que a comunidade possa produzir sentido sobre o patrimônio cultural são necessárias ações educativas que visem despertar o interesse sobre a memória, as manifestações e produções do local.


A educação patrimonial é um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no patrimônio cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo.


A preservação do patrimônio cultural é antes de tudo uma ação educativa, que busca levar às gerações futuras o conhecimento sobre o passado histórico nacional com o intuito de fortalecer a identidade e o pertencimento das pessoas.


Organização do Arquivo Municipal de Portão 2008 a 2013


A Educação Patrimonial consiste em provocar situações de aprendizado sobre o processo cultural e, a partir de suas manifestações, despertar no aluno o interesse em resolver questões significativas para sua própria vida pessoal e coletiva. O patrimônio histórico e o meio ambiente em que está inserido oferecem oportunidades de provocar nos alunos sentimentos de surpresa e curiosidade, levando-os a querer conhecer mais sobre eles. Nesse sentido podemos falar na “necessidade do passado”, para compreendermos melhor o “presente” e projetarmos o “futuro”. (HORTA, 2004, p. 03).

Formação de professores - 2010 Portão/RS


A Educação Patrimonial em uma proposta transformadora pode fornecer uma maior conscientização de identidade cultural, vivências e também o desenvolvimento de habilidades que levem a uma leitura crítica do mundo. Magalhães, Zanon e Branco (2009) afirmam que a Educação Patrimonial transformadora possui caráter político e objetiva a formação de pessoas capazes de (re) conhecer sua própria história cultural, deixando de ser espectador, para tornar-se sujeito, valorizando a busca de novos saberes e conhecimentos, provocando conflitos de versões (MAGALHÃES; ZANON e BRANCO, 2009).


Visitação - Museu da PUC em Porto Alegre, 2018


Reconhecer as diversidades socioculturais brasileiras é premissa fundamental para o desenvolvimento de ações de Educação Patrimonial. É dizer que os conhecimentos e saberes locais também devem ser considerados nos processos de preservação, por meio de mecanismos de escuta e observação que permitam acolher e integrar as singularidades, identidades e diversidades locais.


Encontro da Consciência Negra - Comunidade Quilombola de Macaco Branco-Portão/RS


O campo do patrimônio é, por excelência, um campo de atuação multidisciplinar. Assim, as práticas educativas não devem ser limitadas à atuação de profissionais da área da Educação, mas serem incorporadas pelos diferentes setores que compõem a ação. Antropólogos, historiadores, arqueólogos, arquitetos, biólogos, geólogos, entre outros podem, coletivamente com a comunidade, construir as ações de reconhecimento e valorização das referências culturais, contribuindo com olhares e perspectivas diversas.


Espaços educativos não o são por natureza, mas tornam-se a partir da apropriação que as pessoas fazem dele (FARIA, 2010, p. 25), por meio de ações práticas, implicando numa nova concepção de educação, que extrapola os muros das escolas. O conceito de espaço/território educativo estaria, assim, relacionado ao de Educação Integral, salientando que as experiências educativas são mais efetivas quando integradas às demais dimensões do cotidiano das pessoas, construindo e reconstruindo significados. (SILVA, Almir de Paula).


Desta forma, percebe-se uma concepção abrangente de Educação, em que “o processo educativo se confunde com um processo amplo e uniforme de socialização” de modo a propor que a educação deve ser pensada para além dos espaços de educação formal, considerando a cidade, o bairro e os bens culturais como potencialmente educadores. (IPHAN, 2014).


Seguindo nessa trajetória, e considerando as orientações e normativas definidas na BNCC, defende-se o estabelecimento de uma rede entre as instituições, trabalhadores em patrimônio e em educação com o poder público para que possam firmar parcerias de colaboração e desenvolvimento de políticas públicas, direcionando o potencial patrimonial e cultural dos municípios com vista a emancipação, valorização e transformação social e cultural.




* Jussara Prates dos Santos Girardi - Historiadora, Bióloga, escritora, especialista em Educação e em Gestão de Arquivos. Conservadora-Restauradora, registro ACOR-RS 087-19S



Saiba mais: Fontes

ANDRADE, Larizza Bergui de e Nadja de Carvalho Lamas. EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO FORMAL: UMA REFLEXÃO A PARTIR DAS PINTURAS DE LUIZ SI NAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE JOINVILLE. / UNIVILLE

http://anpap.org.br/anais/2017/PDF/EAV/26encontro______ANDRADE_Larizza_BerguiLAMAS_Nadja_de_Carvalho.pdf

BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro. Zahar. 2005

HORTA, Maria de Lourdes Parreiras; GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane Queiroz. Guia básico de Educação Patrimonial. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Museu Imperial, 1999.

HORTA, M. de L. Fundamentos da Educação Patrimonial. Revista Ciências e Letras Educação e Patrimônio Histórico-Cultural, Porto Alegre, nº. 27, p. 13-35, jan./jun. 2000.

______. Lições das coisas: o enigma e o desafio da Educação Patrimonial. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n.31, 2004.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 7° edição. 2013

SILVA, Aletícia Rocha da. EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA: A FEIRA LIVRE COMO ESPAÇO DE APRENDIZAGEM HISTÓRICA EM COLINAS DO TOCANTINS

https://educapes.capes.gov.br/bitstream/capes/430383/2/Educa%C3%A7%C3%A3o%20patrimonial%20no%20Ensino%20de%20Hist%C3%B3ria-%20a%20feira%20livre%20como%20espa%C3%A7o%20de%20aprendizagem%20hist%C3%B3rica%20em%20Colinas%20do%20Tocantins.pdf

SILVA, Almir de Paula e. A CIDADE COMO ESPAÇO EDUCATIVO: A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL EM ESPAÇOS FORMAIS E NÃO FORMAIS DE ENSINO

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