João Gilberto, a batida da Bossa Nova
- Jussara Prates
- 20 de jun. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 3 de mar.
*Jussara Prates

No dia 06 de julho de 2019, calou-se uma das vozes mais conhecidas da música. O mundo perdeu o cantor João Gilberto.
Ele era o último dos criadores do estilo musical, mundialmente conhecido, Bossa Nova. Essa perda física leva à reflexão, afinal de contas, aprende-se pouco sobre a história da música brasileira na escola, ouve-se muito sobre a sua vida pessoal e quase nada sobre a incalculável contribuição da sua obra para a música brasileira e mundial.
Desconsidera-se o fato de que a história da música faz parte da história da formação humana. Quando deixamos de ensinar sobre o patrimônio musical do país negamos o direito e acesso de cada indivíduo ao acervo cultural, requisito básico para a plena formação humana. Essa negligência, no Brasil, tem sido um desafio em todas as áreas da cultura e afeta profundamente o conhecimento histórico sobre a música brasileira, considerada uma das mais variadas e ricas do mundo.
Na obra “Chega de Saudade”, publicada em 1990, de Ruy Castro, o autor declara que João Gilberto foi um dos responsáveis por reinventar a onda da música brasileira no final dos anos de 1950. “Nunca tão pouco tempo de música significou tanto, pois esse período dividiu a cultura brasileira em antes e depois. O canto a seco e sem ornamentos de João Gilberto não era propriamente novidade, mas, aliado ao violão que produzia um ritmo contagiante e inesperado, logo depois chamado de bossa nova, à complexidade harmônica de Tom Jobim e à sofisticação coloquial da letra de Vinícius de Moraes, resultaram num todo revolucionário”.
Inicialmente, a bossa nova era uma nova forma de tocar e cantar o samba, mais suave e harmônica e não demorou para que o gênero musical fizesse sucesso e ficasse conhecido no mundo todo. Este estilo musical foi influenciado pelo Jazz americano da época. Porém, a partir da década de 1960, acabou influenciando o próprio jazz e a música mundial.
Nas reportagens, noticiando a morte de João Gilberto, alguns jornalistas e pesquisadores afirmam que a música que ele interpretava dizia muito de um Brasil com esperança de desenvolvimento. Um país cantado com alegria, dramático em seus amores, popular em sua vivacidade. A sua voz, o seu violão e sua batida particular nos levava sempre a um Brasil imenso. Dava a entender que ele sempre cantava sentimentos de um país maior do que parecia ser. Assim, não deixa de ser uma ironia tê-lo perdido em pleno 2019, um ano absurdo para o campo das artes e da cultura no Brasil.
Ainda, segundo Ruy Castro, a música “Chega de Saudade”, primeiro grande sucesso de João Gilberto, está para a Bossa Nova como a carta de Pero Vaz Caminha está para o Brasil.
O LP “Getz/Gilberto”, lançado em 1964, é até hoje o álbum de jazz mais vendido da história, o que é surpreendente, por ser, na verdade, um disco de bossa nova e cantado em português. Deste disco, a canção “Garota de Ipanema” já foi interpretada por diversos e afamados cantores e também esteve presente em numerosos filmes.
Acredita-se que seja a segunda canção mais gravada na história, depois de "Yesterday", dos The Beathes, e já ganhou um Grammy de Gravação do Ano em 1965, sendo introduzida no Hall da Fama do Grammy Latino em 2001 e, em 2004, a canção foi adicionada ao Registro Nacional de Gravações pela Biblioteca do Congresso Americano devido a sua importância "cultural, histórica e estética que informam ou refletem a vida nos Estados Unidos.
Em 1962, grandes compositores e intérpretes brasileiros, entre os quais Tom Jobim, João Gilberto e Sérgio Mendes, apresentaram um concerto histórico na casa de espetáculos Carnegie Hall, em Nova York, nos estados Unidos. A partir daí, as canções da bossa nova começaram a ser gravadas por artistas americanos de projeção internacional, como Frank Sinatra, Stan Getz e Ella Fitzgerald.
O movimento que originou a Bossa Nova se findou em 1966, entretanto, seu fim cronológico não significou a extinção estética do estilo musical, o qual serviu de referência para inúmeras gerações de artistas.
Espera-se que com a morte de João Gilberto surja um movimento de pensamento, de memória e inovação artística que inspire o Brasil a acreditar novamente na sua grandeza cultural, voltando a ser um lugar de utopia.
* Jussara Prates é escritora, pesquisadora e produtora cultural, transita em diversas áreas da cultura com obras publicadas sobre educação, projetos escolares, educação antirracista, história, história de municípios, literatura, diversidade e educação para o patrimônio. Ativista pela democratização e acesso a cultura é defensora da educação para o patrimônio como forma de valorização e apropriação do patrimônio cultural como elementos geradores de cidadania e identidades. Foi membra do Colegiado Setorial de Memória e Patrimônio do Rio Grande do Sul, trabalhou na área da Gestão da Cultura, foi uma das idealizadoras e Diretora do Museu e Arquivo Municipal de Portão. Coordenadora dos processos de tombamento do primeiro Patrimônio Natural, o Pinheiro Multissecular e do primeiro Registro de Patrimônio Imaterial, o Festival Internacional de Folclore e uma das Curadoras do Memorial Histórico do Parque do Imigrante, todos em Nova Petrópolis/RS. Foi Diretora de Cultura e Secretária Adjunta de Educação, Cultura e Desporto de Nova Petrópolis. É Conselheira de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul, participou como conselheira da 6ª Conferência Estadual de Cultura e representou o CEC/RS na 4ª Conferência Nacional de Cultura em Brasília, atuando ativamente na construção da Política Nacional de Cultura. Atualmente exerce a função de secretária da Diretiva do Conselho Estadual de Cultura/RS.
**Historiadora, Bióloga, Conservadora e Restauradora de Acervos, Pós -graduada em Gestão de Arquivos; Supervisão Educacional; Coordenação Pedagógica; Ecologia e Desenvolvimento Sustentável; Botânica; Zoologia e Diversidade, Cultura e Etnicidade
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