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A pandemia do COVID-19 evidenciou a desigualdade social e expôs a fragilidade do sistema de ensino no Brasil, apesar de ter se passado algumas décadas, desde a promulgação da Constituição Brasileira, percebe-se, através de uma situação de calamidade, que pouco avançou-se desde então.
No país, sequer foi alicerçado a base para atender essa construção constitucional, cujos objetivos iniciais eram “Construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. (Art. 1º e 3º, CF). O que se percebe é que diante de uma situação inesperada e de pandemia global, as medidas para a educação foram rasas, sendo a fragilidade da estrutura uma das responsáveis pela exclusão no acesso à educação e a previsão no déficit de aprendizagens são gigantescas.
Isto se mostra através das políticas públicas, como é o caso do Parecer CNE/CP nº5/2020 do Conselho Nacional de Educação que pouco menciona o cumprimento da Constituição, pautando-se, quase que exclusivamente, às normas da BNCC, reduzindo o processo educativo, durante a pandemia, às questões voltadas às aprendizagens. Dessa forma, não necessariamente, atende aos direitos constitucionais, os quais não devem ser relegados, mesmo em situação de pandemia.
A desigualdade social limita o acesso à tecnologias, sendo inviável para muitos alunos estudarem de forma remota e com qualidade. Também os professores não estavam/estão preparados para ensinar de forma remota, sendo que muitos não estão inseridos no “mundo digital”. Dessa forma, como poderiam ensinar através de plataformas digitais? Segundo o Parecer CNE/CP nº5/2020, as atividades pedagógicas não presenciais podem acontecer por meios digitais (videoaulas, conteúdos organizados em plataformas virtuais de ensino e aprendizagem, redes sociais, correio eletrônico, blogs, entre outros); por meio de programas de televisão ou rádio; pela adoção de material didático impresso com orientações pedagógicas distribuído aos alunos e seus pais ou responsáveis; e pela orientação de leituras, projetos, pesquisas, atividades e exercícios indicados nos materiais didáticos.
Entre tantas possibilidades viáveis, que poderiam oferecer educação com qualidade esbarramos no óbvio: a maioria dos alunos não tem acesso à tecnologias e internet e os professores não estão preparados para ensinar de forma digital “não convencional”. As universidades continuam formando professores para um mundo que não existe mais, pois no “mundo atual” a comunicação e a tecnologia são essenciais tanto quanto o conhecimento sobre seus usos operacionais, didáticos, práticos e metodológicos.
A fragilidade e desigualdade estrutural da sociedade brasileira se agrava em particular na educação. Isso é perceptível de diferentes formas: na comparação entre escolas públicas e privadas; nas diferenças de proficiência; alfabetização e taxa de matrícula, relacionados a fatores socioeconômicos e étnico-raciais e em relação às condições de acesso ao mundo digital por parte dos estudantes e de suas famílias. Numa situação de pandemia, essas diferenças se acentuam quando relacionadas às consequências socioeconômicas agravadas pelo desemprego e redução da renda resultantes da COVID-19.
É preciso considerar que, tal situação, impõem grandes desafios às instituições de educação no Brasil, em particular quanto à forma como o calendário escolar deverá ser reorganizado no período pós pandemia, que poderá ultrapassar o ano letivo de 2021. O grande desafio será definir propostas que não aumentem a desigualdade e ao mesmo tempo que utilizem novas tecnologias digitais de informação e comunicação de forma coerente e igualitária. Mas, como fazer isso se a maioria dos municípios não possuem estrutura de tecnologia para oferta de ensino remoto e nem todos os professores têm a formação adequada para dar aulas virtuais? Outra fragilidade é o fato de que a grande parte dos programas e softwares são projetados para computadores, a questão é que menos da metade da população possui computador e acesso à internet. Para muitos, o acesso à internet só é possível através do uso do celular, que, não raro, é compartilhado entre vários membros da família.
Às famílias recaiu uma nova atribuição para as quais a maioria não tem condições pedagógicas, metodológicas, psicológicas, e conhecimento para realizar. Conforme o Parecer CNE/CP nº5/2020 do Conselho Nacional de Educação sugere que neste processo de pandemia:
“As escolas orientem alunos e famílias a fazer um planejamento de estudos, com o acompanhamento do cumprimento das atividades pedagógicas não presenciais mediados por familiares. O planejamento de estudos é também importante como registro e instrumento de constituição da memória de estudos, como um portfólio de atividades realizadas que podem contribuir na reconstituição de um fluxo sequenciado de trabalhos realizados pelos estudantes”. (Parecer CNE/CP nº5/2020 p.8-9).
Afinal, de acordo com o Art. 205 da Constituição Federal a “educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Artº 205, CF/88). Ressurge aí outra fragilidade estrutural do processo de educação brasileiro no contexto da epidemia, pois não leva em consideração o fato de que cerca de 6,6% da população brasileira é analfabeta (cerca de 11 milhões de pessoas, acima de 15 anos), 46, 6% (acima de 25 anos) se concentra no ensino fundamental, e 17,7% possui ensino médio (acima de 25 anos). (IBGE-EDUCA).
Há contextos familiares que não oferecem as condições mínimas para que a criança desenvolva suas atividades escolares, tampouco possa desenvolver aprendizagens. A calamidade provocada pela pandemia não pode ser utilizada como pretexto para ferir os princípios constitucionais e, em especial, o direito à educação de qualidade de todas as crianças, adolescentes, jovens adultos e idosos brasileiros.
A questão a ser considerada é o fato de que no Brasil, já vivíamos num estado de calamidade e não cumprimento dos direitos civis e constitucionais e é na escola e no processo de políticas públicas educacionais que “explode” essa “bolha” social. Ao analisar o Parecer CNE/CP nº5/2020 do Conselho Nacional de Educação fica visível o fato de que o Estado Brasileiro “lavou as mãos”, não cumpriu a Constituição Federal e jogou a responsabilidade no colo dos Conselhos Municipais chamando a isso de “Autonomia”.
Espera-se que no processo de transição para a retomada das aulas e das atividades regulares, a escola seja um espaço dialógico de ressignificação das relações sociais frente aos desafios sócio/culturais e econômico da sociedade. É preciso que os gestores se voltem para essas fragilidades estruturais e protagonizem diante das desigualdades educacionais que os brasileiros estão sujeitos e promovam mudanças através de investimentos, visando melhorias na qualidade de vida do povo, reduzindo o distanciamento entre classes.
No Brasil, aliás, o distanciamento social sempre foi uma realidade, a pandemia apenas o evidenciou abrindo lacunas ainda maiores no processo educativo. As consequências disso? Já sabemos, os grupos que já estavam inseridos no processo digital, sofrerão prejuízos menores e os que não tem acesso continuarão aprendendo conteúdos e buscando aprendizagens de um tempo que já passou, ou seja, excluídos do seu tempo histórico.
É gritante a necessidade de gestores e sociedade enfrentarem essas fragilidades e buscarem meios para reduzir os prejuízos e as disparidades sociais, especialmente na educação. É preciso desenvolver políticas públicas com vistas a qualidade e equidade, formação inserida na era digital para os professores. Investimentos em infraestrutura, saneamento básico, moradia adequada, reestruturação das escolas, de forma a disponibilizar espaços educativos, onde a igualdade de acesso seja uma prerrogativa de qualidade da educação e para a vida.
Nesse novo contexto, que já nasce agravado por questões históricas e pela pandemia, a escola terá de ser um espaço onde estudantes, professores e comunidade possam investir em seus projetos de vida pessoais e coletivos. A recuperação de conteúdo, será apenas um dos desafios a serem superados.
Nesse tempo futuro, chamado de pós pandemia, precisaremos aprender a lidar com um contexto difícil e que precisará ser olhado de frente, “enfrentado” e não negligenciado e encoberto, fazendo de conta de que a desigualdade de acesso não existe.
Questões como morte, doença de pessoas queridas, violência, falta de trabalho, renda, desigualdade de acesso às tecnologias e equidade social, precisarão ser levadas a sério através de políticas públicas com o devido acompanhamento e cobrança da sociedade.
Costumo olhar para o início de um ano letivo com esperanças de novas aprendizagens, brincadeiras, lanches gostosos, abraços e reencontros. Mas, neste ano, meus olhos estão temerosos e o coração apertado por todos os colegas profissionais da Educação. O retorno às aulas, em pleno ápice da pandemia e sem vacinas, pelo menos para os profissionais da educação, infelizmente, não me permite vislumbrar o quadro com otimismo.
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